Abastecimento alimentar é coisa séria
Folha de São Paulo - 01/06/2017 - 02:00h
São Paulo está pronta para uma revolução urbana. As condições para a mudança amadureceram em silêncio. A parceria entre o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria permitiu que o plano de construção de um novo centro de abastecimento de alimentos chegasse a um ponto de decisão.
É uma excelente notícia. Os poderes públicos finalmente se deram conta de que é necessário sair do impasse que estrangula a zona cerealista, na região central, e a Ceagesp, na zona oeste.
Os empresários instalados nessas duas áreas buscam saídas para o problema desde 2001, quando constituíram formalmente uma comissão para negociar alternativas com os poderes públicos.
A má notícia envolve a representatividade. A comissão que reúne legitimamente os sindicatos empresariais do setor e conta com o apoio da Federação do Comércio do Estado de São Paulo está ausente das discussões. É hora de ouvi-la.
As alternativas formuladas por mais de uma década pelos melhores urbanistas, engenheiros e especialistas em logística do país merecem ser consideradas.
A criação de um novo centro de distribuição não pode ser norteada apenas pela questão imobiliária, por mais importante que ela seja, ou pelos interesses de um grupo empresarial isolado, por mais legítimos que eles sejam.
A decisão a ser tomada é crucial para a necessidade humana mais básica: a comida. E seus efeitos não podem ser medidos facilmente. Juntas, a zona cerealista e a Ceagesp respondem não só pelo abastecimento de toda a região metropolitana como também do Estado e do país. As dimensões são gigantescas daquele que já constituiu o terceiro maior polo de distribuição de alimentos do planeta.
O modelo atual envelheceu e dá sinais de exaustão. Defasado dos pontos de vista econômico e de logística, trava o desenvolvimento da cidade. Mantê-lo como e onde está implica desperdício de recursos, de oportunidades, de empregos e, triste dizer, de alimentos.
Envolve também um problema urbanístico. A zona cerealista está atrofiada na mesma área em que se estabeleceu há 100 anos, quando o transporte era feito em carroças. Hoje, no coração da cidade, é sufocada por um fluxo diário de 2.000 caminhões.
Precisamos transferir o comércio de atacado. No século 21, a vocação da região central é atender o consumidor final e servir de moradia para a população.
O drama da Ceagesp é semelhante. Ocupa área grande o suficiente para revitalizar a região. Em vez disso, converteu-se num foco de deterioração urbana e congestionamento.
Depois de anos de trabalho, a comissão empresarial formulou um projeto de abastecimento ideal dos pontos de vista logístico e urbanista. Mais: encontrou uma fórmula econômica para pô-lo em pé com capital privado e administração compartilhada com o poder público. Dessa maneira, São Paulo voltará à vanguarda do setor de abastecimento alimentar.
O legado do entendimento de Alckmin e Doria será percebido por gerações. Pode recuperar o tecido urbano, gerar empregos, reduzir perdas de alimentos e criar condições para a expansão dos negócios.
Não é crível que atinja essas metas se as empresas que abastecem São Paulo forem desconsideradas.
ABRAM SZAJMAN é presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), entidade que gere o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) no Estado.
ALGIRDAS ANTONIO BALSEVICIUS é presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Gêneros Alimentícios no Estado São Paulo.